quarta-feira, julho 29, 2009

Mais uma de amor

Que algumas pessoas não acreditem que o homem esteve
mesmo na lua, dá até pra entender, mas tem gente que
não acredita em amor, e isso é imperdoável. Podemos não
acreditar no que nossos olhos vêem, mas não podemos
desacreditar no que sentimos. Você já ficou com a boca
seca diante de uma pessoa? Já teve receio de ela estar
ouvindo as batidas do seu coração? Bem, isso tudo não é
prova de amor, apenas de ansiedade. Amor é outra coisa.

Amor é quando você acha que a pessoa com quem você se
relacionava era egoísta, possessiva e infantilóide e isso não
reduz em nada a sua saudade, não impede que a coisa que
você mais gostaria neste instante é de estar tocando os
cabelos daquela egoísta, possessiva e infantilóide.

Amor é quando você não compreende direito algumas
coisas, mesmo tendo o QI mais elevado da turma, mesmo
dominando o pensamento de Sócrates, Plutão e Nietzche.
Perguntas simples ficam sem resposta, como por exemplo:
como é que eu, sendo tão boa gente, tão honesto e com
um coração tão grande, não consigo fazê-la perceber que
ela seria a pessoa mais feliz do mundo ao meu lado?

Amor é quando você passa dias sem ver quem você ama,
depois passam-se meses, e aí você conhece outra pessoa
e passam-se décadas, e você já nem lembra mais do
passado, e um dia qualquer de um ano qualquer você se
olha no espelho e pensa: como é que eu consegui enganar
a mim mesmo durante todo esse tempo?

Amor é quando você sente que seria capaz de amarrar o
cadarço de um tênis com uma única mão ou de fazer a
chuva parar só com a força do pensamento caso a pessoa
que você ama lhe mandasse um sim deste tamanho.

Amor é quando você sabe tintim por tintim as razões que
impedem o seu relacionamento de dar certo, é quando você
tem certeza de que seriam muito infelizes juntos, é quando
você não tem a menor esperança de um milagre acontecer,
e essa sensatez toda não impede de fazê-lo chorar
escondido quando ouve uma música careta que lembra os
seus 14 anos, quando você acreditava em milagres.

Tudo isso pode parecer uma grande dor, mas é uma grande
dádiva, porque a existência do amor está toda hora sendo
lembrada. Dor é quando a gente está numa relação tão
fácil, tão automática, tão prática e funcional que a gente até
esquece que também é amor.

Martha Medeiros
A dor que dói mais


Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.

Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.

Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

Martha Medeiros
Esconderijo
Ana Cañas

Procuro a Solidão
Como o ar procura o chão
Como a chuva só desmancha
pensamento sem razão
Procuro esconderijo
encontro um novo abrigo
como a arte do seu jeito
e tudo faz sentido
calma pra contar nos dedos
beijo pra ficar aqui
teto para desabar
você para construir

segunda-feira, julho 27, 2009

Porquinho-da-índia


Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.


In “ Estrela da vida inteira”

Manuel Bandeira
O exemplo das rosas


Uma mulher queixava-se do silêncio do amante:
- Já não gostas de mim, pois não encontras palavras para me louvar!
Então ele, apontando-lhe a rosa que lhe morria no seio:
- Não será insensato pedir a esta rosa que fale?
Não vês que ela se dá toda no seu perfume?

Manuel Bandeira
Neologismo

Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
E mais quotidiana.
inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo
Teadoro, Teodora.

Manuel Bandeira

quinta-feira, julho 16, 2009

Via Láctea - Olavo Bilac

Longe de ti; se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...

Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente...

Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo é ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada
Onde, entre flores, teu amor me espera.

quarta-feira, julho 15, 2009

Esperando Aviões - Vander Lee


Meus olhos te viram triste
Olhando pro infinito
Tentando ouvir o som do próprio grito
E o louco que ainda me resta
Só quis te levar pra festa
Você me amou de um jeito tão aflito

Que eu queria poder te dizer sem palavras
Eu queria poder te cantar sem canções
Eu queria viver morrendo em sua teia
Seu sangue correndo em minha veia
Seu cheiro morando em meus pulmões
Cada dia que passo sem sua presença
Sou um presidiário cumprindo sentença
Sou um velho diário perdido na areia
Esperando que você me leia
Sou pista vazia esperando aviões

Sou o lamento no canto da sereia
Esperando o naufrágio das embarcações
Dom de Iludir - Caetano Veloso


Não me venha falar
Na malícia de toda mulher
Cada um sabe a dor
E a delícia
De ser o que é...

Não me olhe
Como se a polícia
Andasse atrás de mim
Cale a bôca
E não cale na bôca
Notícia ruim...

Você sabe explicar
Você sabe
Entender tudo bem
Você está
Você é
Você faz
Você quer
Você tem...

Você diz a verdade
A verdade é o seu dom
De iludir
Como pode querer
Que a mulher
Vá viver sem mentir...
Tanto, Tanto - Vander Lee

Eu olho o mundo da janela
Eu vejo um filme além da tela
Os dias passam como por encanto
Eu passo como quem não passa
Sou meio triste e acho graça
Tem tanta gente triste que disfarça
Caminho ao seu lado sem falar
Mas canto uma canção pra te alegrar
Só peço que não tente compreender
Tanto tanto

Dou tudo pelo seu carinho
Mas gosto de ficar sozinho
Olhando da janela do meu quarto
Mas quando vocë chega tarde
Eu quase morro de saudade
Já louco pra fazer suas vontades
Caminho... Tanto, tanto

Nenhum de nós conhece o mundo
O bem, o mal, o céu profundo
No fundo tudo é muito diferente...

sexta-feira, julho 03, 2009

Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.
No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci....


Olavo Bilac