quinta-feira, junho 18, 2009

Trecho de “Amores Interrompidos”

“No entanto, lá no final do livro, quando a relação do casal se limita apenas a uma amizade distante, Beauvoir recupera o tino e escreve coisas interessantes sobre o amor, em especial na carta em que ela consola o amigo por ter sido chutado por uma namorada. Ela disserta sobre a melhor maneira de se enfrentar um rompimento. Naturalmente, a conclusão é que é sempre preferível viver a história até o seu desfecho natural, ou seja, até o desaparecimento do amor, mas dificilmente isso acontece em sincronia. Entre um casal que se separa, há sempre aquele que acaba sendo vítima de um
choque emocional, decorrente da violência que é obrigar-se a matar um sentimento que dentro de si permanece vivo.
Simone de Beauvoir especula que a sensação de perda e a nostalgia do passado costumam durar mais tempo que a própria relação teria durado. É bastante interessante esta teoria: a de que as dores-de-cotovelo duram mais do que o próprio amor, caso este houvesse completado seu ciclo.
Ainda citando Beauvoir, ela diz que a gente se torna mais dependente de um amor quando ele termina, do que enquanto ele dura. Eu não tenho muito a acrescentar, e sim a corroborar. Enquanto estamos vivenciando um amor, não teorizamos a respeito. Só a partir da ruptura é que fazemos um inventário dos ganhos e das perdas, e, por estarmos emocionalmente fragilizados, acabamos por superdimensionar nossa solidão involuntária.
Do que se conclui que o único remédio para a dor de amor é aceitar que as coisas vêm e vão, e que isso é que movimenta a vida. O duro é ter que pensar nisso quando o amor ainda parece que só vai.”

Martha Medeiros
Nada passa

Uma das músicas mais bonitas da MPB é aquela composta por Nelson Motta e Lulu Santos, que diz que na vida tudo passa, tudo sempre passará, como uma onda no mar. Linda. Mas é mentira.
A garota sofrendo o diabo porque brigou com o namorado e a mãe consola com a frase de sempre: vai passar. O garoto levou bomba no vestibular e o melhor amigo diz: na próxima vez você passa. Analisando superficialmente, é verdade, a dor, um dia, cessa. Mas não se iluda: ela não bateu as botas, está apenas cochilando. Tudo passa? Nada passa!
É isso que ninguém tem coragem de nos dizer. A dor da perda, a dor de fracassar, a dor de não corresponder a uma expectativa, a dor de uma saudade, a dor de não saber como agir, de estar perdida, instável, de ter dúvidas na hora de fazer uma escolha, todas estas dores, que parecem pequenas para quem está de fora, nos acompanharão até o fim de nossos dias. Elas não passam. Elas ficam. Elas aninham-se dentro da gente, o que não deve servir de motivo para pularmos de uma ponte. Mario Quintana escreveu que nós somos o que temos e o que sofremos. Sem dor, sem vida interior.
Não passam as dores, também não passam as alegrias. Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve para montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças. Aquela noite que você não conseguiu parar de chorar, aquele dia que você ficou caminhando sem saber para onde ir, aquele beijo cinematográfico que você recebeu, aquela visita surpresa que ela lhe fez, o parto do seu filho, a bronca do seu pai, a demissão injusta, o acidente que lhe deixou cicatrizes, tudo isso vai, aos pouquinhos formando quem você é. Não há nenhuma peça que não se encaixe. Todas são aproveitáveis. Como são muitas, você pode esquecer de algumas, e a isso chamamos de “passou”. Não passou. Está lá dentro, meio perdida, mas quando você menos esperar, ela será necessária para completar o jogo e se enxergar por inteiro.

Martha Medeiros