sábado, agosto 27, 2011

Fagulhas


Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria rir, chorar,
ou pelo menos sorrir
com a mesma leveza com que
os ares me beijavam.


Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça,
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando.


Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.


Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.


Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.


Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio.


Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las.


Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.


Ana Cristina César

Momento Poesia Marginal



A poesia marginal foi uma prática poética marcada pelo artesanal, por poetas que queriam se expressar livremente em época de ditadura, buscando caminhos alternativos para distribuir poesia e revelar novas vozes poéticas.

É um movimento cultural fundado nos anos 70, os poetas mais marcantes desta época foram Ana Cristina César, Paulo Leminski, Ricardo Carvalho Duarte (Chacal), Francisco Alvim e Cacaso. As poesias eram distribuídas em livretos artesanais mimeografados e grampeados, ou simplesmente dobrados.

Poetas, universitários e cabeludos eram caras que imprimiam no álcool do mimeógrafo as suas poesias originais. Foram poemas instigantes, carregados de coloquialidade e objetividade.

A poetisa Ana Cristina César além de escrever poemas também redigia para jornais, se suicidou aos 31 anos, em 1981. Cacaso faleceu em 1987, aos 43 anos, após uma parada cardíaca. Paulo Leminski, que adorava experimentar a linguagem dos poetas concretos, faleceu em 1989.

É importante enfatizar que não foi um movimento poético de características padronizadas, foi um momento de libertação dos termos e expressão livre num momento de repressão política nos fins da década de 60. A poesia foi levada para as ruas, praças e bares como alternativa de publicação, alternativa que estivesse longe do alvo da censura. Tudo era considerado suporte para a expressão e impressão das poesias, fosse um folheto, uma camiseta, xerox, apresentações em calçadas, etc.

Trecho de um poema sem título de Paulo Leminski :
“Eu hoje, acordei mais cedo
e, azul, tive uma idéia clara
só existe um segredo
tudo está na cara.”
Por Fernando Rebouças


Adorando, já conhecia um pouco e agora lendo pra valer os livros de Leminski e Ana Cristina César, por enquanto. ;)

Eu quero pensar ao apalpar
eu quero dizer ao conviver
eu quero partir ao repartir


Ana Cristina César

O QUE QUER DIZER



  O que quer dizer, diz.
Não fica fazendo
  o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
  coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
  Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
  um dia, vai ser feliz.


Paulo Leminski

quarta-feira, agosto 24, 2011

já me matei faz muito tempo


já me matei faz muito tempo 
me matei quando o tempo era escasso 
e o que havia entre o tempo e o espaço 
era o de sempre 
nunca mesmo o sempre passo 
morrer faz bem à vista e ao baço 
melhora o ritmo do pulso 
e clareia a alma 
morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma


Paulo Leminski

NO INSTANTE DO ENTANTO



diga minha poesia
e esqueça-me se for capaz
siga e me diga
quem ganhou aquela briga
entre o quanto e o tanto faz

Paulo Leminski

domingo, agosto 14, 2011

Se Deus, tal como Satanás, procura

As almas aliciar...porque deixa ao pecado

Esse caminho suave, essa fatal doçura

E faz do bem um fruto amargo e indesejado?


Mario Quintana, in Espelho Mágico

segunda-feira, agosto 08, 2011

domingo, agosto 07, 2011

Esses olhos brilhantes
Que eu vejo quase sempre
Essas linhas do rosto
Que eu gosto ardentemente
Esse jeito de amante
Esse ar de inteligente
Seu olhar tem um gosto
que eu quero mais de frente
Pena que não presta
especula arrogantemente
então só me resta
Ficar te olhando lentamente

Caroline Ferreira